A utilidade social do ensino da História consiste em formar a consciência e a memória coletiva das novas gerações.
A forma como isso tem sido entendido varia com os contextos culturais de cada período e, em parte, com os valores ideológicos dominantes nos diferentes regimes políticos. Daí eu tanto me bater para que não se rescreva a narrativa histórica de acordo com determinadas agendas políticas ou com o de certos movimentos sociais brasileiros.
Exemplo, os Bandeirantes, como Domingues Jorge Velho ou Antônio Raposo Tavares, que a partir do inicio do século XVI, penetraram no interior da América do Sul em busca de riquezas minerais, sobretudo o ouro e a prata, abundantes na América espanhola, indígenas para escravização ou extermínio de quilombos. Contribuíram, em grande parte, para a expansão territorial do Brasil além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, ocupando o Centro Oeste e o Sul do Brasil.
Em suma, de acordo com os padrões éticos e morais do século XXI os Bandeirantes praticaram atos abomináveis e criminosos – não se contesta – contudo, também, foi graças a eles que o Brasil tem hoje a dimensão geográfica continental que tem! E isso ademais é indiscutível...
É evidente que uma História narrativa, fatual, povoada por homens brasileiros e mulheres brasileiras, atenta à vida e aos acontecimentos que se contam com emoção e detalhes pitorescos é mais apelativa e suscetível de ser assimilada do que uma História abstrata e meramente conceptual.
A História lida com o tempo e o espaço, por isso não pode dispensar a cronologia e o mapa. Tem de ser feito um esforço permanente para fixar as datas, referenciar as épocas e os contextos dos fatos, localizar os lugares com rigor.
Sem isso não há memória histórica brasileira que valha.
A História vive de muitas estórias que não têm a frieza de uma série de preços, de uma curva demográfica, de uma definição genérica que se decora sem compreender, apesar de não poder dispensá-las. Ela foi feita por gente viva que verteu sangue, que chorou, que sentiu dor, mas que também riu, que dançou, que teve alegria e que amou!
A História percebe-se melhor com imagens e com narrativas simples que dão voz às pessoas de outros tempos.
A História se aprende ativamente, lendo, escrevendo e contando aos outros. E tem de ser recriada pela imaginação, sem perder de vista a realidade, para se tornar mais viva, mais próxima e compreensível.
A história brasileira sobretudo exige aos professores de história e aos seus investigadores muita competência pedagógica e conhecimentos bem interiorizados.
É preciso não esquecer que a memória do jovem brasileiro não é uma tábua rasa, mas está povoada de representações, imagens enoções sobre o passado que fazem parte da memória coletiva e que foram adquiridas nos contatos sociais.
Esta memória “é o que fica do passado na vivência dos grupos ou aquilo que os grupos fazem do passado”, como bem ensina Pierre Nora.
Os fatores ideológicos e afetivos têm um peso decisivo nas memórias coletivas e são fonte de muitos preconceitos, estereótipos e interpretação unilateral dos fatos históricos.
Daí eu já ter aqui falado, neste blog, da minha visão daquilo que foi a chaga da “escravidão” no Brasil, e que é uma tese não coincidente com a defendida por Laurentino Gomes. Eu entendo que os portugueses não foram os unicos culpados pela escravidão no Brasil. Nunca procurei passar o pano sobre a responsabilidade dos lusos no trafico negreiro, que fique bem claro!
A memória para mim não é um armazém de conhecimentos. É uma faculdade dinâmica, construtiva e plástica, que requer treino e que é capaz de se adaptar.
Coisas que memorizamos em certas etapas da vida só mais tarde são utilizadas e acabam por fazer pleno sentido.
Muitas outras serão esquecidas, mas quando o gosto foi despertado algo pode ser ainda recuperado.
Se chama a isso viver...
Foto de Sebastião Salgado