EM LAGO DE PIRANHA, JACARÉ NADA DE COSTAS

Somos dois povos “irmãos”, comungando até determinada altura de uma história comum (goste-se ou não) e –  insisto particularmente neste ponto – existem actualmente 273 milhões de pessoas a falar português no mundo, ainda que com sotaques diferentes, o que faz com que o português seja a 6ª língua mais falada. Nunca ouvi um espanhol a dizer que no México se fala “mexicano” ou que o Leonel Messi fala “argentino”, mas já ouvi inúmeros portugueses, e curiosamente só os portugueses é que o fazem, referindo-se à língua de Carlos Drummond de Andrade, de Machado de Assis, de Jorge Amado, de Cecília Meireles, de Guimarães Rosa, de José de Alencar, de Euclides da Cunha, de Vinicius de Moraes, de Carolina Maria de Jesus, de Hilda Hilst, de Paulo Coelho, de Olavo Bilac, de Nelson Rodrigues, de Aguinaldo Silva, de Chico Buarque entre outros tantos, mas tantos... como sendo “brasileiro”.

Complexo de inferioridade só pode!  

Agora, temos diferenças culturais óbvias, somos dois países distintos, separados por um oceano, em hemisférios e continentes diferentes, cada um com a sua história recente, os seus hábitos, as suas etiquetas e existem algumas características comportamentais por parte dos brasileiros que são capazes de tirar os portugueses do sério. Eventualmente, haverá outras, porém selecionei aquelas seis que, para mim, considero serem as principais. A saber;    

1. O “claro, pois não, vamos fechar negócio” com a maior empolgação, seguido de um sumiço sem dar qualquer satisfação. O português é incapaz de entender – não está na sua génese - a razão de tamanha empolgação se não havia, ou nunca houve, uma real intenção. Dai a razão de surgirem alguns maus entendidos, por parte do português, chamando o brasileiro de “falso” ou de “fingido”.   

2. A mania de forçar amizade. Nada mais brasileiro, como sabemos bem, que tapinha nas costas do vendedor, abraço no garçom e até cumprimentar com beijo quem não é amigo de verdade (sobretudo agora que parece que finalmente o Covid-19 se está indo embora) provocam um inevitável recuo de surpresa por parte do luso. O português, de uma forma geral, num primeiro contacto, mostra-se mais reservado, mais “na defensiva”, dai ser injustamente acusado de ser um “povo triste”... e não venham por favor, outra vez, com essa da “mulher do bigode”, já chega, tá?    

3. A imitação do sotaque. A sério!? Será que alguém realmente acha graça em ficar repetindo o que o outro falou e ficar tirando sarro na cara dele? Mais grave, um baiano por dizer “telemóvel” ou “autocarro” com a boca semicerrada acha mesmo que está falando com sotaque luso? Não, não está! Está parecendo que está tendo um AVC, isso sim! Quando um capixaba vai a São Paulo ou ao Rio não muda o seu sotaque, porque é que o há-de fazer quando vem a Lisboa ou ao Porto?   

4) Chamar Portugal de “terrinha”. Esta polêmica é grave! O brasileiro acha que é afetivo, mas acha mal! Pela pesquisa colhida “in loco” posso garantir que 99,9% dos portugueses consideram que o termo tem um tom depreciativo. Podem insistir, podem tentar explicar... português odeia que tratem o país dele de “terrinha”, valeu?   

5) A mania de comparar tudo com o Brasil. Geralmente brasileiro chega à Europa e sai criticando o que é português. O "mimimi" é passatempo nacional, eu sei. Mas, os “tugas” não sabem. E por falar em “tuga” confesso que esta dualidade de critérios sempre me fascinou, a saber, quando brasileiro conta piada de português é só ironia e até tem cunho carinhoso. E, se o português não o entende assim, então é porque ele é burro e não tem sentido de humor. Já quando é o contrário, português contando piada de brasileiro, isso é muito grave porque se trata claramente de “xenofobia” e de tentativa de "discriminação”... mais, chamar brasileiro de “zuca” nem pensar, mas “tuga” pode!   

6) O tom de voz, sempre muitos (mas mesmo muitos) decibéis acima do que é considerado normal para aqui na Europa. Sobretudo em restaurante falando no celular. Toda a sala ouvindo a vossa conversa, no mínimo é confrangedor! Certa vez, num restaurante em Lisboa, falei para um patrício, que incomodava todo o restaurante com a sua conversa de negócios (seguramente muito importante para ele)  falando altíssimo ao telemóvel: “Se o senhor tiver a gentileza de ir até à rua, nem vai precisar mais de usar celular... basta falar que seu amigo o vai ouvir perfeitamente lá em São Paulo. Agradecido!”.  

Pode aliás reparar, se um ambiente está tumultuado... ou é brasileiro ou então é italiano!   

Não costumo fazer “teasers” mas se acham que só os brasileiros tem defeitos, esperem só por aquilo que eu tenho para escrever sobre o “chico-esperto” português. Como diria Dâmaso Salcede, vai ser “chique a valer!”