No texto e no vídeo de hoje, irei fugir um pouco ao ‘normal’, e falarei de uma das figuras culturais brasileiras este não é, por isso, um texto sobre política, eleições, ou de análise de debates e resultados, mas de homenagem ao grande poeta e à cultura brasileira que a todos nos fascina!
Porque tal como ele eu também tenho a particularidade de “não me calar” perante as queixas e bloqueios sucessivos de que sou alvo constantemente numa tentativa de encerrarem este blog.
Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes, poeta, dramaturgo, jornalista, diplomata, cantor e compositor. Apelido de "Poetinha", que lhe foi dado por seu amigo Tom Jobim, nasceu a 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea, na cidade do Rio de Janeiro.
Se fosse vivo faria, hoje, 109 anos!
Homem culto, alegre, boémio, sempre cantou um seu Brasil unido e não o que se vive hoje, cheio de ódio e de desunião!
Tenho várias coisas que me ligam a ele (infelizmente para mim não possuo, nem o seu gênio, nem o seu talento), mas tal como eu, enquanto diplomata, viveu vários anos em Portugal e sua família, tal como a minha, era carioca, cidade que amava, o Rio, assim como eu, dedicou este texto:
Quando a cidade do Rio de Janeiro ainda fazia parte do Estado da Guanabara, Vinícius de Moraes, escreveu, em 1960, esta verdadeira declaração do que é ser-se carioca.
“Um repórter me telefona, eu ainda meio tonto de sono, para saber se eu achava melhor que o Distrito Federal fosse incorporado ao Estado do Rio, consideradas todas as razões óbvias, ou se preferia sua transformação no novo Estado da Guanabara. Sem hesitação optei pela segunda alternativa, não só porque me parece que o Distrito Federal constitui uma unidade muito peculiar dentro da Federação, como porque vai ser muito difícil a um carioca dizer que é fluminense, sem que isso importe em qualquer desdouro para com o simpático estado limítrofe.
O negócio é mesmo chamar o Distrito Federal de Estado da Guanabara, que não é um mau nome, e dar-lhe como capital o Rio de Janeiro, continuando os seus filhos a se chamarem cariocas. Imaginem só chegarem para a pessoa e perguntarem de onde ela é, o ela ter de dizer: “Sou guanabarino, ou guanabarense”… Não é de morte? Um carioca que se preza nunca vai abdicar de sua cidadania. Ninguém é carioca em vão. Um carioca é um carioca. Ele não pode ser nem um pernambucano, nem um mineiro, nem um paulista, nem um baiano, nem um amazonense, nem um gaúcho.
Enquanto que, inversamente, qualquer uma dessas cidadanias, sem diminuição de capacidade, pode transformar-se também em carioca; pois a verdade é que ser carioca é antes de mais nada um estado de espírito. Eu tenho visto muito homem do Norte, Centro e Sul do país acordar de repente carioca, porque se deixou envolver pelo clima da cidade e quando foi ver… kaput! Aí não há mais nada a fazer. Quando o sujeito dá por si está torcendo pelo Botafogo, está batendo samba em mesa de bar, está se arriscando na lotação a um deslocamento de retina em cima de Nélson Rodrigues, Antônio Maria, Rubem Braga ou Stanislaw Ponte Preta, está trabalhando em TV, está sintonizando para Elizete.
Pois ser carioca, mais que ter nascido no Rio, é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa, em meio à sua adorável desorganização. Ser carioca é não gostar de levantar cedo, mesmo tendo obrigatoriamente de fazê-lo; é amar a noite acima de todas as coisas, porque a noite induz ao bate-papo ágil e descontínuo; é trabalhar com um ar de ócio, com um olho no ofício e outro no telefone, de onde sempre pode surgir um programa; é ter como único programa o não tê-lo; é estar mais feliz de caixa baixa do que alta; é dar mais importância ao amor que ao dinheiro. Ser carioca é ser Di Cavalcanti.
Que outra criatura no mundo acorda para a labuta diária como um carioca? Até que a mãe, a irmã, a empregada ou o amigo o tirem do seu plúmbeo letargo, três edifícios são erguidos em São Paulo. Depois ele senta-se na cama e coça-se por um quarto de hora, a considerar com o maior nojo a perspectiva de mais um dia de trabalho; feito o quê, escova furiosamente os dentes e toma a sua divina chuveirada.
Ah, essa chuveirada! Pode-se dizer que constitui um ritual sagrado no seu cotidiano e faz do carioca um dos seres mais limpos da criação. Praticada de comum com uma quantidade de sabão suficiente para apagar uma mancha mongólica, tremendos pigarreios, palavrões homéricos, trechos de samba e abundante perda de cabelo, essa chuveirada — instituição carioquíssima restitui-lhe a sua euforia típica e inexplicável: pois poucos cidadãos poderão ser mais marretados pela cidade a que ama acima de tudo.
Em seguida, metido em sua beca de estilo, que o torna reconhecível por um outro carioca em qualquer parte do mundo (não importa quão bom ou medíocre o alfaiate, de vez que se trata de uma misteriosa associação do homem com a roupa que o veste), penteia ele longamente o cabelo, com gomina, brilhantina ou o tônico mais em voga (pois tem sempre a cisma de que está ficando careca) e, integrado no metabolismo de sua cidade, vai a vida, seja para o trabalho, seja para a flanação em que tanto se compraz.
Pode-se lá chamar um cara assim de guanabarino?”