MEIA-VERDADE É SEMPRE UMA MENTIRA INTEIRA

Sempre o declarei, logo não constitui surpresa para ninguém que minha família paterna é de origem galega. Nunca fomos, desde que chegamos no Brasil, antes da promulgação da Lei Áurea, nem proprietários, nem comerciantes de escravos, mas tão somente produtores de frutas e de legumes com que abastecíamos os mercados da cidade do Rio de Janeiro (RJ).  

Logo, se me permitem, hoje, tenho alguma autoridade ética e moral para falar sobre esta temática do fato de 19 dos deputados reeleitos, no passado dia 2 de outubro, se terem autodeclarado brancos nas eleições de 2018 e agora terem mudado o registro para pardos em 2022.

Estranho! 

NA: Gostaria de deixar bem claro que sou defensor da inclusão social de todas as raças e que condeno todo a forma de preconceito, nomeadamente de racismo - seja ele negativo ou positivo - venha ele da direita ou da esquerda. O único preconceito que tenho - confesso - é contra o preconceito em si e contra a estupidez! 

A cor da pele foi introduzida como sendo um critério “fundamental” para diferenciar as chamadas raças humanas, no século XVIII, na Europa Ocidental. Johann Blumenbach, antropólogo alemão (1752-1840), propôs uma classificação das raças humanas, associando a cor de pele e a região geográfica de origem em cinco tipos: branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongol; parda ou malaia; e vermelha ou americana.  

Parte dessa terminologia passou a ser adotada no Brasil e em outros partes do mundo. As cores do espectro, quando associadas aos seres humanos, passaram a ter, então, um sentido metafórico, não significando apenas tonalidades ou os matizes. Em dadas culturas, o termo branco, no vocabulário racial, não corresponde à cor branca quando associada a outros objetos ou seres, da mesma forma que o termo preto, amarelo ou vermelho.  

NB: O vocabulário racial assentado em "cor da pele" penetrou o Brasil Colônia e se mantém até os dias atuais.  

Se nos debruçarmos quanto à origem da terminologia relacionada à cor usada como designar as várias raças, na língua portuguesa e na espanhola, o termo "pardo" é o mais antigo, é definido como "de cor entre o branco e o preto", e provém do latim “pardus”, e do grego “pardos”, significando, nessas línguas, leopardo.

A carta de Caminha já se referia aos habitantes da terra como "pardos maneira avermelhados". Já o substantivo "mulato" é proveniente do espanhol, que o utiliza desde 1525 e se origina do termo mula: "o parentesco de representações entre mestiçagem e hibridação entre espécies e sua associação recorrente com a infecundidade".

O termo "mestiço", do latim tardio, “mixticus”, de “mixtus”, é particípio passivo do verbo “miscère”, misturar. De início, seu sentido esteve restrito à descendência de europeus e ameríndios. Já o termo "caboclo" deriva, aparentemente, do tupi. 

A etimologia do termo "preto" em português eem espanhol, “prieto”, está por ser elucidada. Quanto ao termo "branco” em sentido rigoroso, é a neve, a cal, o leite, a açucena, etc. ou seja homem ou mulher com a pele exatamente da cor desses objetos, não existem, nem nunca existirão. Na cor da pele de qualquer indivíduo da chamada raça branca ou caucásica transparece sempre entre o alvo e o róseo um amarelado ou morenado. 

Em suma, toda esta conceptualização sociológica ligada à cor da pele e/ou à raça foi tendo significados em vários contextos históricos nos quais, em geral, ocorreu uma valorização da cor branca (metáfora da divindade, da pureza e da luz) e uma desvalorização da cor negra (a treva, o satã, o pecado), como hoje atestam vários estudos académicos. 

Ora retomando o tema da cronica de hoje, a saber, o fato de nove (9) em cada cem (100) candidatos que estão disputando estas eleições de 2022 terem mudado a autodeclaração de cor/raça que apresentaram em 2020, por falta de critérios de avaliação que valide as autodeclarações de etnia dos candidatos que concorrem aos cargos públicos, ou seja, entre os candidatos que repetiram a eleição de 2018 esse ano, 6.295 mudaram de raça para estas eleições.  

Ora, esta realidade é, no mínimo, estranha, sendo transversal a quase todos os partidos, com especial destaque para o Republicanos (94), o PL (89), a União (85), o PSD (75) e o PT (73) – ou seja, não é um fenómeno exclusivo das legendas tradicionalmente mais defensoras da causa negra. 

Na verdade, baseado em opinião de especialistas, eu temo que mudanças na autodeclaração não irão necessariamente reflitir uma Câmara mais diversa.  

Desta forma, o risco é que as causas de negros não serão definitivamente defendidas no Congresso. Mais me parece uma trapaça... 

Isto é especialmente relevante quando pensamos que, segundo as novas regras do financiamento dos partidos, o número de eleitos negros (e de mulheres também) dão direito a um financiamento duplo pelo Fundo Partidário e pelo Fundo Eleitoral – ou seja, um deputado não branco (ou uma deputada) valem o dobro para as receitas do partido do que um deputado branco... 

Neste ano, foram eleitos 19 deputados para a Câmara dos Deputados que mudaram de identidade racial: Felix Mendonça (PDT-BA), Da Vitória (PP-ES), Weliton Prado (PROS-MG), Delegado Marcelo Freitas (União-MG), José Rocha (União-BA), Alexandre Leite (União-SP), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Maria Rosas (Republicanos-SP), Diego Garcia (Republicanos-SP), André Ferreira (PL-PE), Professor Alcides (PL-GO), Cleber Verde (Republicanos-MA), Juscelino Filho (União-MA), Evair de Melo (PP-ES), Alice Portugal (PCdoB-BA), Claudio Cajado (PP-BA), Elmar Nascimento (União-BA), Pinheirinho (PP-MG), Carlos Gomes (Republicanos-RS) – pesquisem os seus nomes na internet, vejam quem são, vejam suas fotos e tirem suas conclusões... 

O problema da discriminação racial é uma realidade no Brasil, mas claramente este tipo de figuras (tais como as quotas) criam incentivos perversos, que levam a uma total banalização da ‘negritude’, criando dúvidas perante a falta de critérios objectivos. 

Por outro lado, sempre também há que dizê-lo com toda a franqueza que de acordo com os números atualizados pelo IBGE, divulgados a 22 de julho de 2022, pretos e pardos representam, agora, 56% da população brasileira. Já o percentual de pessoas que se declaram brancas caiu para 43%. 

Logo, não faz mais sentido que determinados movimentos de esquerda (sobretudo ligados ao movimento woke) mantenham o discurso político da defesa dos direitos das “minorias” étnicas – não falamos em minorias efetivas, mas antes em grupos discriminados por conta da raça – e aqui, convém pensar no modo de combater essa situação. Será através da criação de válvulas (como as quotas)?

Ora, este caso dos deputados gera mais dúvidas do que certezas quanto à validade destas medidas – o racismo não é menor, nem os problemas de acesso ao poder e à vida social profissional é menor porque há uma quota.

A discussão deveria passar por capacitar as pessoas excluídas (por raça, por género ou estrato socio-económico) através de uma boa educação e de acesso a infraestruturas de qualidade que lhes permitam ascender socialmente e não através da definição semi-arbitrária de critérios para garantir que um certo número de ‘excluídos‘ seja pretensamente protegido. 

Aí vemos, que a ‘minoria’ que é uma maioria cresça ainda mais, com a mudança ‘por declaração’.

Não é sério, e serve apenas para simular uma mudança e aplacar a consciência coletiva, sem resolver os problemas reais. Haja coerência! 

Vó Ana sempre dizia que “Meia-verdade é sempre uma mentira inteira"