O primeiro debate presidencial brasileiro teve lugar na noite do passado domingo, dia 28 de agosto, organizado pela Bandeirantes, TV Cultura, UOL e Folha de S. Paulo e que contou com a presença dos candidatos presidenciais Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PL), Luiz Felipe D'Avila (Novo), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil).
Quem estava à espera de assistir a uma baderna televisiva seguramente não ficou desiludido. Foi em cheio!
Durante o debate, que foi dividido em três blocos, nos quais todos os candidatos falaram de temas sorteados e responderam a perguntas de jornalistas e a perguntas entre si o ainda Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, conseguiu a proeza de atacar uma jornalista, os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e de trocar acusações com Lula da Silva, o seu principal adversário na eleição presidencial.
Tudo começa quando a jornalista da TV Cultura Vera Magalhães colocou uma pergunta ao candidato Ciro Gomes sobre vacinas, questionando-o se este acreditava que a "desinformação" sobre a vacinação, que veio "até do Presidente da República", contribuiu para causar mortes.
Bolsonaro reagiu, exaltado: "Vera (Magalhães),não podia esperar outra de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse, fazer acusações mentirosas ao meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro"
Após este ataque inusitado de Jair Bolsonaro, as candidatas à Presidência e senadoras presentes no debate, Simone Tebet e Soraya Thronicke, saíram na defesa da jornalista Vera Magalhães e condenaram prontamente as declarações do ainda presidente brasileiro.
Assim, confirmaram-se os meus receios de que o debate iria ser um verdadeiro circo... Mas quem iria fazer malabarismo? E quem seria o palhaço?!
Mas, vamos ao princípio: quando os dois principais candidatos, Bolsonaro e Lula, começaram ao ataque logo no primeiro terço do debate com "o seu governo foi feito à base da cleptocracia, o seu governo foi o mais corrupto da história do Brasil", disse Jair Bolsonaro, dirigindo-se a Lula. "O país que eu deixei é o país de que as pessoas têm saudades, o país que você destruiu", respondeu o ex-presidente logo de seguida.
Bolsonaro continuou debaixo de fogo durante as intervenções de Ciro Gomes, quando o ex-Governador do Ceará disse para ele que "você diz tantas aberrações: a última foi dizer que neste país não há fome" e quando Simone Tebet lhe disse "não vi o presidente pegar na moto dele e visitar um hospital e consolar uma mãe".
Mais, Tebet desafiou o ainda presidente afirmando a determinada altura do debate "eu não tenho medo de si nem dos seus ministros", e continuou "e no Senado denunciei a vacina contra a covid que o senhor não quis comprar". Já Thronicke acrescentou "quando homem é tchutchuca com homem e tigrão com mulher eu fico irritada mesmo".
Por sua vez, Lula e Ciro fizeram xodó a propósito de uma eventual união entre as esquerdas que representam, a saber "Eu nunca me ofendo com o Ciro, quem sabe a gente ainda vai conversar", disse Lula. "O Lula é encantador de serpentes, apela ao pessoal, mas isto não é pessoal, ele corrompeu-se e eu atribuo a eleição ao Bolsonaro, que não veio de marte, ao PT".
O ex-presidente respondeu então "Quando ele quer jogar nas minhas costas a eleição desse cidadão, eu só digo que não fui eu que fui para Paris para não votar no (Fernando) Haddad", a propósito da viagem de Ciro entre a primeira e a segunda voltas da eleição de 2018. "E sobre corrupção, eu fui absolvido dos 26 processos", concluiu ele.
Ciro recordou-lhe, entretanto, que ele (Lula) nessa altura que ele foi a Paris ele estava preso em Curitiba...
Na terceira parte, Tebet começou por perguntar a Bolsonaro por que ele "tem tanta raiva das mulheres?". Bolsonaro desmentiu, elogiou a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e duas bolsonaristas adeptas de cloroquina durante a pandemia, antes de concluir: "Eu sei que grande parte das mulheres do Brasil me amam, chega de vitimismo, somos todos iguais".
A candidata da União Brasil, Thronicke, entretanto, partiu para o ataque a Lula: "Não vi nada do que o senhor fala, esse país só existe no seu tempo de antena, os seus economistas estão todos mofados". Lula não tardou em responder de forma lapidar "A senhora não viu, mas o seu motorista viu, o seu jardineiro viu, a sua empregada doméstica viu".
No instante seguinte, Ciro Gomes e D’Ávila chamaram o discurso de "realismo mágico". Admito, gostei da tirada – mas não deixa de ser curioso que um ex-ministro de Lula seja tão crítico das políticas do mesmo, fazendo coro com o candidato liberal.
Sobre Covid, Tebet lembrou que "houve corrupção no combate covid", no governo Bolsonaro "Tentaram pagar 45 milhões de dólares num paraíso fiscal por uma vacina sem comprovação científica, quem esconde por 100 anos alguma coisa é porque tem alguma coisa a esconder".
Nas declarações finais, Bolsonaro preferiu destacar o apoio de Lula aos regimes de Hugo Chávez, na Venezuela, ou dos Kirchner, na Argentina, enquanto o ex-presidente Lula lembrou feitos económicos do seu governo... que eu acho curioso porque efetivamente houveram alguns, sobretudo durante o primeiro mandato, mas fruto das politicas introduzidas pelo seu antecessor FHC.
As sondagens de intenção de voto indicam Lula da Silva como favorito para vencer as eleições presidenciais, com cerca de 45% das intenções de voto, depois surge Bolsonaro com 30% e já muito distante vem Ciro Gomes com apenas 7%. Nenhum dos outros quatro candidatos ultrapassa sequer os 2%.
Tal como disse, logo no início, não se assistiu a um debate de ideias, muito menos elevado, sobre o Brasil, sobre quais as opções para o nosso País ou para o povo brasileiro. Vivemos quatro anos de um completo esvaziamento democrático, a política viveu assente no insulto e no ódio. A gestão do culto da imagem foi a linha central da ação política, aliás, sublinhe-se, que foi, principalmente, assente na produção das “fake news”... em suma um desastre!
Portanto, chegados aqui, no agora, perante este cenário, é natural que as próximas eleições presidenciais, mais uma vez, decorram sobre a “urdidura” da gestão de emoções. O brasileiro vai ser chamado a optar entre o mau e o péssimo.
A campanha já está na rua!
Recordo que a eleição presidencial no Brasil tem a primeira volta agendada para 2 de outubro e a segunda volta, caso seja necessária, a 30 do mesmo mês.
Post Scriptum: Depois de quase partir para a violência física com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, o deputado federal André Janones (Avante-MG), apoiador da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República, brigou nos bastidores do debate presidencial com outros dois bolsonaristas, os candidatos a deputado Adrilles Jorge (PTB-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG). Organizadora do debate, a Band mobilizou um cordão de segurança para separar as campanhas... só vergonha!