O último Imperador Romano do Oriente, Constantino XI, foi morto quando Constantinopla (actual Istambul) foi conquistada pelas tropas Otomanas/Turcas do Sultão Maomé II, a 29 de Maio 1453, uns meros 47 (quarenta e sete) anos antes do navegador português Pedro Alvares Cabral chegar a Terras de Vera Cruz.
Agora, de acordo com o mainstream da actual academia brasileira, esta cidade estaria em teoria ocupada ilegitimamente desde então pelos otomanos/turcos, uma vez que quando a avizinharam (tal como Cabral 47 anos depois) aquele território já era povoado por uma população, com cultura própria (Bizantina/Romana Oriental), com idioma próprio (grego clássico) e praticava uma religião (cristã).
Isto porque, nos últimos anos, inserida numa determinada linha de pensamento que, na minha modesta opinião, se enquadra numa certa agenda socio-política, temos assistido a um verdadeiro "dictatum" por parte da generalidade da academia brasileira, onde expressões como “descobrimentos”, tem vindo paulatinamente a ser substituídas inicialmente por “achamento” e mais recentemente por “conquista” para determinar aquilo que foi a intervenção de Portugal, enquanto potencia colonizadora, no Brasil quinhentista.
Então, hoje, a academia brasileira fundamenta a sua tese que na realidade os “descobrimentos”, foram antes uma “conquista” seguida de “genocídio” basicamente em três pontos fundamentais. A saber; quando os navegadores portugueses chegaram ao Brasil estes territórios; 1) já eram habitados por povos indígenas que há muito aqui viviam; 2) possuindo idiomas próprios; 3) e com culturas únicas.
Importará realçar que não estamos a falar propriamente de civilizações pré-colombianas (v.g. Maias, Incas ou Aztecas) por não terem, nomeadamente, um tão elevado conhecimento de engenharia, astronomia, agricultura, nem de serem detentores de estruturas político-administrativas que se assemelhassem minimamente, ainda que mesmo assim tivessem algum grau de desenvolvimento civilizacional, mas sobretudo – para mim - porque eram seres humanos!
Defende tal tese que a intervenção portuguesa não passou, portanto, de uma simples “conquista” visto que se concentrou, apenas e só, em expulsar, dominar e/ou submeter os povos indígenas com intuitos meramente “expansionistas” não havendo, por isso, uma verdadeira “descoberta” territorial.
Será esta tese verdadeira e fará sentido face ao que foi a história? Será que a utilização do termo “descobrimentos” é errado face ao que se passou?
Vejamos então;
Em termos formais a utilização do termo “descobrimentos” sempre foi utilizado para designar verdadeiras conquistas. Se veja o que fizeram os Espanhóis na chegada ao continente americano, os Ingleses na Oceânia ou também a intervenção holandesa no continente americano.
Retirando casos muito excecionais em que as potências europeias e outras chegaram a ilhas inabitadas, em todos os outros casos todos os territórios “descobertos” tinham uma população nativa que foi submetida pela força exercida pelas potências colonizadoras.
Então o que distingue os “descobrimentos” de qualquer outra “conquista”? O que por exemplo distingue a “conquista” de Constantinopla, em 1453, da “descoberta” do Brasil em 1500?
O que as distingue é a conceptualização dos fatos e daí a necessidade de utilizar outra terminologia e termos diferentes para descrever realidades geopolíticas em tudo diversas.
A utilização do termo “descobrimentos” para o Brasil e outros territórios se deve ao fato de na altura da chegada das potências colonizadoras a existência do território em questão não ser do conhecimento público Internacional da época.
Porque, se goste ou não, numa perspectiva europeia/ocidental, até Cristóvão Colombo, sob as ordens dos Reis Católicos de Espanha, a 12 de Outubro de 1492, ao deparar com um continente, a que batizou de América, estes territórios eram desconhecidos para a Comunidade Internacional de então (século XV).
NB: O hemisfério norte, ainda hoje, continua dominando a política internacional. As Relações Internacionais têm vindo a ser definidas – não estou fazendo juízos valorativos, estou meramente apresentando fatos – majoritariamente entre os blocos Europeu e Norte Americano, tendo agora (muito recentemente) os BRIC surgido para quebrar esta hegemonia.
Contudo, há que reconhecer também que o atual presidente não tem primado no plano da Relações Externas (vg. lembrar por exemplo os episódios passados durante a última Cimeira do G20, em Roma, em Outubro de 2021, em que o presidente brasileiro abandonou ostensivamente o evento enquanto o Príncipe Carlos, futuro Chefe de Estado do Reino Unido, estava discursando optando antes por ir passear pelas ruas de Roma ou quando durante a receção oficial de Chefes de Estado das 20 (vinte) maiores economias mundiais escolheu só falar com duas pessoas: Tayyip Erdoğan, o Presidente da Turquia e com Tedros Ghebreyesus, o Director-Geral da Organização Mundial da Saúde, ignorando todos os demais presentes no salão.
Fonte: https://br.noticias.yahoo.com/bolsonaro-pula-evento-e-esnoba-120200444.html 23/03/22
Depois, já mais tarde, no dia 1 de Novembro pp, ao visitar o cemitério de Pistoia, na Toscânia, Itália, onde estão sepultados soldados brasileiros que combateram na segunda guerra mundial, o Presidente Bolsonaro fê-lo só acompanhado de Matteo Salvini, líder da extrema-direita italiana, já que o Prefeito fez saber que "estaria fora da cidade", o Governador da Toscânia se recusou a receber o Presidente brasileiro em audiência e o Bispo Fausto Tardelli declinou participar na visita ao cemitério, tendo inclusive a diocese italiana emitido um comunicado manifestando o seu “profundo desacordo” com esta visita:
Eis aqui um excerto traduzido do comunicado da Diocese:
“Convocamos todos a voltarmos imediatamente a um clima mais adequado para as solenidades e aniversários que nos esperam nos próximos dias. A comemoração do dia dos mortos é uma obra de particular misericórdia entre os cristãos, que não pode, nem deve ser objecto de exploração odiosa por nenhum partido político”.
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2021/11/bolsonaro-e-salvini-prestam-homenagem-a-brasileiros-mortos-na-segunda-guerra-mundial-ckvi00d41001101gjvqfgqsfk.html 23/03/22
https://ajunews.com.br/politica/visita-de-bolsonaro-e-recusada-por-bispo-prefeito-e-governador-na-italia/ 23/03/22
Mas, voltemos ao tema de hoje, assim, se materialmente podemos até falar que o que se passa posteriormente nesses territórios do “Novo Mundo” é muito idêntico a um cenário de conquista, na verdade para a comunidade internacional dos séculos XVI e XVII é uma situação totalmente diferente. Aliás, tais situações não podem, nem devem ser confundidas com verdadeiras conquistas como o caso de Constantinopla em que, para além dos efeitos práticos e civilizacionais, também existiram efeitos de reação política imediata nas dinâmicas da comunidade internacional da época. Falo da queda do Império Romano do Oriente e historicamente se estabeleceu como o marco temporal que define o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna.
E aos olhos de hoje atendendo ao que aconteceu não se deve mudar a expressão? Não, em minha opinião!
Porque se trata de mera semântica que em nada contribui para uma análise correta da história. O impacto político e social de um “descobrimento” é totalmente diferente de uma “conquista” em toda a sua génese. Fazermos isso, alterando a denominação de uma realidade só para ser “politicamente correto” é, segundo a minha perspectiva, errado e esquece (aí sim) a história da dinâmica, da política e da sociedade pertencente à comunidade Internacional daquela época histórica em particular.
Nota do Autor: Eu me oponho totalmente ao conceito do “politicamente correto”. Estou mais preocupado em mudar realidades e políticas do que em alterar vocábulos e meras palavras. O conceito só significa algo se tiver alguma correspondência com a realidade, caso contrário estamos “tapando o sol com a peneira”. A pergunta é muito simples: o que preferem, viver numa sociedade em que ninguém seja discriminado em função da raça, da orientação sexual, do género, da opção política e/ou religiosa ou numa sociedade preocupada em gerir o léxico para que ninguém se sinta discriminado em função dessas mesmas raças, orientações sexuais, género, opções políticas e/ou religiosas? O combate à censura e ao autoritarismo nas relações sociais é um imperativo numa sociedade que se quer melhor e igualitária. Não falo em sugestão, falo em obrigação!
Aqui, neste blogue, pelo menos eu, não pretendo reescrever a história conforme mais me convém, nem por forma a melhor se “encaixar” numa nova narrativa política...
Não quero por isso dizer que ao se utilizar a palavra “descobrimento” tenhamos que ignorar os fenómenos decorrentes da ocupação destes territórios que hoje constituem o Brasil, muito menos as chacinas efetuadas pelos colonizadores sobre as populações autóctones.
Estes factos podem e devem ser estudados com toda a profundidade! Sem preconceitos, sem subterfúgios, sem suscetibilidades, mas também sem ingerências de agendas políticas ou com as condicionantes impostas pelo “politicamente correto” para os diferentes fenómenos existentes.
Porque a história não pode, nem deve ser alterada,razão pela qual o seu estudo deve ser sério e buscar apenas e só a verdade ou então é melhor que o Sr. Recep Tayyip Erdoğan comece já a “fazer as malas” para sair de Constantinopla... digo, de Istambul !
Entre o preto e o branco, existem vários tons de cinza... tem 256, para ser mais exato! Convém nunca esquecer !
Foto de Sebastião Salgado