QUEM COM FERRO FERE, COM FERRO SERÁ FERIDO

Como qualquer católico (que sou) aprendi, ainda em criança a dizer o “Acto de Contrição”, na sua forma simplificada: “Meu Deus, porque sois tão bom, tenho muita pena de Vos ter ofendido. Ajudai-me a não tornar a pecar.”  

Estava retornando ao Rio de Janeiro, no dia 13 de Março de 2013, vindo da Europa e foi só ao aterrissar no RIOgaleão - Aeroporto Internacional Tom Jobim, que eu soube que o Cardeal e Arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, havia sido eleito Papa, no segundo dia do conclave em Roma, escolhendo o nome de Francisco. Ele foi o primeiro jesuíta a ser eleito Papa, o primeiro Papa do continente americano, do Hemisfério Sul e também o primeiro não europeu investido como bispo de Roma em mais de 1.200 anos. Fantástico!

Fiquei extasiado de contentamento! No caminho para casa, já na saída da Ilha do Governador, vi um daqueles painéis publicitários dizendo “O Papa pode ser Argentino, mas Deus é Brasileiro”. Sorri com a piada, mas no fundo estava muito contente porque finalmente a Igreja Católica Apostólica Romana ia ser dirigida por um sul-americano.   

E mais depressa o pensei, mais depressa ele o fez! Afrontou as alas mais conservadoras da Cúria Romana. Como modelo, já que mesmo depois de ser Papa, ele continuou se comportando como uma pessoa “normal”. Naquela mesma noite em que foi anunciado como Papa, houve logo sinais de que Francisco iria ser diferente de seus antecessores. Surgiu com roupas mais simples. Optou por um anel de prata, no lugar de um de ouro. Manteve a sua cruz (em prata) e os sapatos modestos que sempre usou e dispensou os acessórios papais pomposos.    

Desde então, se tem confirmado como o Papa da simplicidade e da austeridade. Um Papa humilde que se preocupa com os humildes. Seu exemplo é uma força que se espalha rapidamente no interior da Igreja Católica e, porque não admiti-lo, também admirado por muitos não católicos.    

Mas, todos nós temos momentos menos felizes e o Papa Francisco, como humano e latino-americano que nunca deixou de ser... também teve um!   

Ao caminhar certo dia pelo pátio de San Damaso, o Pontífice foi abordado pelo Padre João Paulo Souto Victor, de Campina Grande (PB), que pediu orações para seus conterrâneos. "Santo padre, reze por nós, brasileiros", disse o Pe João Paulo.   

Sorrindo, Francisco respondeu com piada:"Vocês não têm salvação. É muita cachaça e pouca oração".   

Foi a comoção nacional, o Brasil enquanto nação reagiu como um todo, as redes sociais fervilharam, os jornais televisivos abriram com esta “afronta à Pátria”... não era mais o Líder de todos os católicos para passar a ser o Padre argentino que xinga brasileiro. Todas as outras suas qualidades foram logo esquecidas por causa de uma (1) só piada de gosto duvidoso!  Em suma, o brasileiro foi intolerante com Francisco ao não aceitar que este fizesse piada!

Ora, o tema da crónica de hoje é: A (in)tolerância dos brasileiros em relação à comunidade LGBT. Peço desculpa a todos quantos pensaram que eu fosse, aqui, fazer a apologia da minha igreja. Não, não vou não!   

Mas, não resisto a citar só uma vez mais o Papa Francisco, quando em Janeiro passado, falando de improviso, no Vaticano, numa audiência semanal, o Chefe da Igreja Católica lembrou que ninguém deve julgar os outros, e muito menos discriminá-los, pela sua orientação sexual.   

O Papa Francisco exortou nessa ocasião os pais a não condenarem os seus filhos se estes evidenciarem tendências ‘gay’, aconselhando-os a acompanhá-los o mais possível.   

“Nunca se deve condenar uma criança”, destacou o Sumo Pontifice, evocando a situação de pais que são confrontados com episódios “tristes” na vida das suas crianças, em particular os que têm de lidar com filhos doentes, que estão presos, ou que morreram em acidentes.    

Sobre a orientação sexual evidenciada pelos jovens, o Papa Francisco já se tinha pronunciado há vários anos: “Quem sou eu para julgar?”    

Terminou insistindo que “somos todos filhos de Deus, e amados por Deus” e merecedores do acompanhamento da Igreja, independentemente de as pessoas serem ‘gay’ ou transgénero.   

Fonte: https://veja.abril.com.br/mundo/papa-francisco-pede-que-pais-nao-condenem-filhos-por-orientacao-sexual/     25/03/22

https://www.brasildefato.com.br/2022/01/26/papa-pede-que-pais-nao-condenem-mas-apoiem-os-filhos-gays   25/03/22

É incontornável a intolerância existente na sociedade brasileira para com a comunidade LGBT, ou seja, traduzida em números vergonhosos de violência cotidiana, no Brasil contemporâneo, exercida contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais .   

Reconheço que a ideia de igualdade universal é muito recente: a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi só adotada pela Organização das Nações Unidas em 1948. Mas, para reforçar esse conceito, a Fiocruz, por meio do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fundação, com colaboração da Coordenação de Comunicação Social da Presidência da Fiocruz (CCS), iniciou, no final do ano 2020, uma campanha “Unidade com respeito à diversidade” ou mais recentemente o Instituto Mattos Fillho que apresentou, em Agosto de 2021 o estudo "Diversidade sexual no mundo: os direitos LGBT+" 

Fonte: https://portal.fiocruz.br/documento/projeto-politico-pedagogico-unidade-com-respeito-diversidade 25/03/22

https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/diversidade-sexual-no-mundo/ 25/03/22

Quer num, quer noutro estudo a proposta era alertar sobre a importância de se reconhecer e respeitar a diversidade, seja ela de gênero, raça ou religião, bem como promover a acessibilidade e a inclusão de pessoas com deficiência.    

O Brasil é o país do mundo que mais mata Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT). A cada 19 horas, uma pessoa é vítima de homofobia. Não é um record do qual qualquer brasileiro se deva orgulhar!  Muito pelo contrário...

E vale sublinhar que a Constituição de 1988 não garante quaisquer direitos aos homossexuais. Ainda há confusão no brasileiro quando diz ‘Ah, mas também morreu heterossexual’. Sim, mas ele não morreu por causa da sua orientação sexual. Já os LGBTs estão morrendo por serem quem são, pelo ódio e pela intolerância dos outros!   

O preconceito não é de hoje. Ao longo da história, já contou com “embasamento científico”, a homossexualidade era considerada doença até a década de 1970, e doença mental e listada internacionalmente até 1990. Já a transexualidade foi considerada doença mental até junho de 2021, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) reverteu o conceito. Esta concepção inadequada, somada ao desconhecimento, tem o preconceito como consequência.    

Fonte: http://www.atenas.edu.br/uniatenas/assets/files/magazines/CONSTRUCAO_DO_COMPORTAMENTO_HOMOFOBICO_bases_psicologicas.pdf 25/03722

Nunca me canso de repetir que o preconceito é a fonte da intolerância!   

Apesar de não haver uma estatística oficial dos números da violência motivados por LGBTfobia, causando uma sub-notificação destes casos, um relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB) mostrou que nos anos 2000 foram notificados 130 homicídios deste tipo. Já em 2017, o Brasil registrou 445 homicídios.    

O termo orientação sexual é utilizado justamente por não ser uma opção do indivíduo. O termo LGBT nasceu assim e, apesar disso, todos os dias precisa passar por situações constrangedoras de preconceito, seja num olhar para um casal homoafetivo, que às vezes dói mais do que palavras, seja nas piadinhas pejorativas no trabalho ou nos comentários da família, que em teoria deveriam ser os núcleos que mais os deveriam aceitar e proteger.   

A educação sexual é apontada por especialistas como uma das principais formas de diminuir os crimes de ódio. Ensinar crianças e adolescentes a reconhecer e respeitar a diversidade reduz a prática de bullying e resulta, a longo prazo, em adultos conscientes e empáticos às diferenças.    

Eu fui muito critico do então ministro da Educação, Fernando Haddad, quando este, por altura de 2011, defendia o controverso kit anti-homofobia nos moldes em que ele pretendia ser apresentado... achava eu na altura (e continuo achando hoje) que o principio está absolutamente correto, porém todo o conteúdo estava profundamente errado do ponto de vista pedagógico!   

Agora, chegados que somos ao Presidente do Brasil, o Excelentíssimo Senhor Jair Messias Bolsonaro, este por variadíssimas vezes já provou que obviamente discorda dos meus pontos de vista. Eis apenas três (3) de centenas de povas que poderia aprensentar:   

“Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”, disse Bolsonaro depois que FHC ter posado com a bandeira gay em 2002.  

(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200210.htm)   

No programa de Danilo Gentili, ele fala, a partir dos 17m10, sobre seu posicionamento contra os homossexuais. “90% dos adotados vão ser homossexuais e vão ser garotos de programa deste casal” (referindo-se aos filhos adotados de casais homossexuais).  

(https://www.youtube.com/watch?v=3yxvUIp8GnY)   

"Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” disse em 2011, quando deu entrevista à Playboy.  

Assim, em nome do binômio liberdade-responsabilidade, conceitos indissociáveis em Machado de Assis quando escreveu que “lágrimas não são argumentos”, podemos inferir, a exigência consequente para que tenhamos uma conduta ética e coerente! Não podemos ter (e bem) no Brasil a defesa de direitos fundamentais e não fazer ouvir a nossa voz e a nossa censura quando é “com os outros”   

“A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira que, por medo da bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação.” escreveu Carlos Drummond de Andrade.   

Os Valores Humanitários pelos quais nos pautamos são universais e são imutáveis, logo não variam em função do tempo nem do espaço.   

Na vida, eu faço meu mantra que “a tolerância tem por limite a estupidez”... logo, situações como a homofobia, deve merecer a nossa repulsa e combatida com todos os meios ao nosso alcance!   

Disse...     

 

Foto: Valentina Sampaio, brasileira, foi a primeira modelo transexual a fazer a capa da Vogue francesa.